sexta-feira, 6 de maio de 2011

Na pele agora



Quem diria não é? Eu realmente fiz uma tatuagem.

Já há alguns anos eu cozinhava essa idéia, mas segurei o máximo de tempo até ter certeza de que não estava sendo precipitado. As conseqüências foram pesadas microscopicamente e, como previ, estou extremamente feliz com o resultado.

A meu ver, fazer uma tatuagem é (ou deveria ser) uma decisão muito profunda, interna e pessoal. O corpo torna-se uma tela em branco e a pessoa decide imortalizar algo na pele utilizando sangue, dor e suor.

Rapaz... foi uma experiência no mínimo interessante. Quando foi feito o primeiro traço, por pouco, eu não disse pro cara “Moço, pelo amor de deus, faz a metade do tamanho que eu pedi!”. Me considero forte pra caralho pra dor. Ela nem era insuportável assim, mas se tivesse que arriscar uma comparação, acredito que se assemelha a uma faca de serra quente desfilando por sua pele. Eu estava sentado, mas suava que nem um porco no sol!

O processo de contorno então... pqp! Com certeza foi a pior parte porque, pelo que senti, a agulha penetra bem mais fundo do que no preenchimento. Em alguns momentos eu trincava os dentes e, quando tentava relaxar e os soltava, meu queixo dava aquelas tremidas como se eu estivesse com muito frio. Não pensei em nenhum momento em desistir, mas quase digo: “Véio, será que dá pra terminar o resto amanhã?”.

O treme-treme da máquina por vezes dava a sensação psicológica de anestesia, mas o alívio durava breves segundos. Eram dores lancinantes mesmo! E foi nesse contexto de sofrimento que eu percebi que estava fazendo a tatuagem pela razão certa.

Grafei o feto-símbolo do Ibyanga nas costas. Para alguns é a representação de mais um grupo de Parkour. Para outros é uma associação de membros com interesses específicos. E tem aqueles que diz que é um bando de desocupado que não tem nada melhor pra fazer. O significado pra mim não é nenhum desses.

Por definição, Ibyanga vêm do tupi-guarani: união de "Ibi" (Terra) com "ang"(espírito). Em explicação criada por mim, trocamos o "I" por "Y" porque o "I" é uma reta e determina uma só direção a seguir, diferente do "Y" que é uma bifurcação e exemplifica a pluralidade de caminhos que o Parkour nos ensina. O "A" surgiu somente para tornar a sonoridade da palavra fluente aos ouvidos. "Ibyanga: O espírito da terra".

Esse feto simboliza a divisão de minha vida antes e depois do Parkour. O chamado “turning point”. Tudo aquilo que ele me agregou de foda, todas as experiências, as mudanças sutis e bruscas de como encarar o mundo, o aprendizado, o respeito, os amigos, os treinos exaustivos, as horas sem dormir em frente a projetos... Tudo isso, que antes era somente uma marca interna de quem eu sou, encontra-se simbolizado agora, também, no meu exterior.

Minha vivência com o Ibyanga é a mesma do meu descobrimento de como o Parkour é incrível. E por isso eu cheguei à conclusão de que não consigo separar os aprendizados. Através dessa mistura entre eles eu me tornei uma pessoa melhor, um cidadão melhor e um homem melhor.

Algumas pessoas, membros do próprio Ibyanga, vieram me dizer: “Caramba, não sabia que você dava tanta importância ao grupo.”. Confesso que me assustei um pouco por dois motivos: Achei que já tivesse deixado bastante claro como me sinto em relação a isso tudo e porque eu tinha certeza que todos os que fazem parte do mesmo projeto se sentiam da mesma maneira. Infelizmente (ou felizmente), experiências geram valores e resultados diferentes de pessoa pra pessoa.

Eu era 100% leigo no assunto de tattoos, então quando fui procurar meu tatuador perguntei se havia algum tipo de anestésico ou se eu tinha que tomar alguma coisa antes. Ele disse que alguns tatuadores utilizam inibidores locais de dor, só que ele não gostava de trabalhar com isso porque a dor faz com que a pessoa realmente dê valor ao que ela decidiu tatuar.

Filho da puta! Eu não precisava sentir tanta dor pra me mostrar o que eu já sabia faz tempo! Mas confesso que a colocação dele foi bastante bem-vinda. Cada furada, cada suor que escorria (e como eu suei!), me fazia lembrar de momentos chaves dos últimos 5 anos: A chegada do Bata em Aracaju. Meu primeiro encontro com o Pi e os meninos na rodoviária. O amor, o carinho e a proteção que o Pop desde sempre me passa. O período de 4 meses que treinei com o pulso direito imobilizado. O ano em que passei com tempo de treinar somente das 11 a meia-noite (que por sinal eram momentos de auto-reflexão absurdos!). As viagens sem destino, o companheirismo, os vidros do carro levantado debaixo do sol de meio-dia, os planos pra dominar o mundo, os planos para consertar o mundo, os planos de só reclamar e não fazer nada pelo mundo, a descoberta de que o sofrimento coletivo causa prazer, as conversas e discussões intermináveis, as brigas, as broncas e as mudanças de caráter. Cada agulhada era como um flash e que só me dava mais certeza de que estava ali, naquele momento, pelos motivos corretos.

Além de tudo ela vem em muito boa hora. Estou passando por um processo profundo de reavaliação de valores, conceitos, amigos, responsabilidade e pessoas que foram agregadas ao meu cotidiano nos últimos 5 anos. E essa tatuagem é o símbolo de tudo e dessas pessoas que conquistei nesse período; e que representa o que pretendo manter pro resto da minha vida.

Vai ser impossível olhar pra ela e não me recordar de como eu fui e sou feliz por ter descoberto o Parkour e pessoas tão maravilhosas.

Pop, Pi, Bata, esse feto é cria da gente. Se cuidem.

8 comentários:

D.K. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
D.K. disse...

Mano essa poha me emocionou agora!
Estava lendo e refletindo sobre o que você escreveu, já faz um bom tempo que eu venho pensando em fazer uma tatoo com alguma conexão ao parkour, algo entre o que você fez e a que o JJ tem no braço, uma mistura de conceito e simbolismo. Mas descobri, lendo seu texto, que ainda é melhor esperar um pouco mais, assim posso viver mais experiências, experiências mais profundas, e ter as minhas "cicatrizes na alma" mais enraizadas e mais inesquecíveis ainda e assim dar ainda mais valor aquilo que será gravado literalmente a sangue, suor e dor...tanto na pele quanto nos treinos.

Rachacuca disse...

Muito massa, Duddu.
Legal saber a história da sua tattoo.
Bons treinos pra vc e pro pessoal do Ybianga.
;)

B.Rachacuca

Poliana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Poliana disse...

Simplemente lindo o texto, simplesmente foda a tattoo. Simplesmente VOCÊ!

Edi disse...

xorei!

Adriano (pop) disse...

tome no cu

Caires disse...

Ta, o Pi pode ter chorado, e o pop mais ainda..
iuirpuweorueioouiero